Índio da Costa, a lei antiesmola e a restrição a mendigos em São Paulo
Convocado para auxiliar José Serra a atrair o eleitorado abaixo dos 25 anos, o democrata Índio da Costa, vice na chapa do tucano, é um jovem com ideias velhas. Simpático ao retorno da monarquia, favorável à realização de um plebiscito sobre a pena de morte e contrário a que se trate o aborto como questão de saúde pública, Índio causou espanto ao lançar, quando vereador no Rio, um projeto proibindo pedir esmolas. Quem doasse, seria obrigado a pagar multa. A proposta foi considerada inconstitucional e arquivada, mas demonstra a sintonia do vice com as ações públicas adotadas pelas administrações do DEM e do PSDB em São Paulo em relação aos moradores de rua.
Desde que assumiram a prefeitura, em 2005, não houve uma só ação comandada por democratas e tucanos para a população de rua que tivesse repercussão positiva. Em vez de promover a inclusão, tanto a administração de José Serra quanto a de seu sucessor, Gilberto Kassab, foram acusadas de apenas tentar afastar os desabrigados das áreas mais valorizadas da cidade. O “higienismo” das ações sofreu críticas dos movimentos populares, que identificaram em Serra e no subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, hoje secretário estadual de Cultura, a intenção de “gentrificar” o centro – neologismo para a tentativa de enobrecer bairros e assim valorizá-los no mercado imobiliário, o que inclui a remoção de pobres e desvalidos.
Bem em consonância com as ideias de seu vice, uma das primeiras iniciativas do prefeito Serra em relação aos moradores de rua foi idealizar as famigeradas “rampas antimendigo”. Trata-se de tornar ásperas e inclinadas as superfícies dos vãos, principalmente sob os viadutos, impedindo que o morador de rua se deite ali, justamente onde costuma buscar abrigo. Alvo de críticas de urbanistas e sociólogos, a ideia chegou a ser abandonada, mas foi retomada pelo próprio Serra antes de deixar o cargo e se lançar ao governo estadual. No mês passado, Kassab decidiu dar continuidade à inovação, construindo uma rampa em Moema, bairro de classe média da capital paulista.
Depois das rampas antimendigo, Kassab criou os canteiros antibanho na Praça da Sé: fossas ao redor do espelho d’água que impediam o acesso a moradores e crianças de rua que se banhavam no local. A mais criticada das iniciativas, ainda na administração Serra, foi a internação à força de um mendigo que ocupava uma praça em Vila Nova Conceição, bairro com o metro quadrado mais caro de São Paulo e a renda per capita mais alta do País, em uma clínica psiquiátrica. Após o assunto virar notícia, o mendigo Manoel Menezes da Silva foi libertado do Pinel e teve garantido pela Justiça o direito de ir, vir e ficar onde desejar.
Durante todo o ano de 2005, em que surgiram as rampas e outras ações profiláticas da prefeitura, o jornalista Tomás Chiaverini se disfarçou de mendigo, perambulando por São Paulo para a apuração do livro Cama de Cimento (Ediouro), que retrata a vida dos moradores de rua na metrópole. Segundo Chiaverini, as maiores queixas eram em relação a uma tal “operação cata-bagulho”. Durante a noite ou de manhã bem cedo, caminhões de lixo passavam, acompanhados da Guarda Civil, recolhendo os pertences dos moradores de rua. Quanto às rampas, o jornalista as considera “um desastre”.
“Na verdade, o objetivo não é resolver o problema, e sim mudá-lo de lugar. É uma política elitista, de higienização”, diz Chiaverini. “A ‘arquitetura antimendigo’ é bastante difundida em São Paulo e no Rio. Já li entrevistas de arquitetos dizendo que não projetam prédios com marquises para evitar desabrigados e, no centro da cidade, há várias lojas com um sistema que, a cada meia hora, espirra água na calçada para espantar os moradores de rua.” O jornalista elogiou os albergues da prefeitura, “alguns excelentes”, que, no entanto, recentemente tiveram suas vagas reduzidas pela administração municipal.
De 2008 para cá, a prefeitura de São Paulo fechou dois albergues na região central, com 700 leitos, e se prevê o fechamento de mais duas unidades, com outras 500 vagas. A intenção é fazer com que os moradores de rua se desloquem para fora do centro, mantendo-o “limpo” a ponto de fazer os imóveis dos belos edifícios do centro, rejeitados durante as últimas décadas, voltarem a ser cobiçados.
“Essas são iniciativas do tipo ‘você está proibido de ser miserável’”, critica o sociólogo Marcel Bursztyn, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Para Bursztyn, não há fórmula mágica para resolver a situação dos moradores de rua porque não existem sociedades sem eles e porque são de vários tipos. Em seus estudos, o sociólogo se deparou com pessoas que foram parar lá por ser mentalmente desestruturadas, por ser viciados em álcool ou drogas, fugitivos que se escondiam no anonimato da rua, migrantes e até quem considerasse sua situação como uma “opção filosófica”.
“No Rio”, diz Bursztyn, “há pessoas que dormem no centro, em caixotes de papelão, mas nos fins de semana vão ficar com suas famílias, na periferia.” Ou seja, não há uma solução única para uma população tão heterogênea. Ele sugere, por exemplo, a criação de lugares para recolher os meninos de rua, desses que não fossem reformatórios como os de hoje. “O ideal seria adaptar as políticas públicas a cada perfil de morador de rua, o que não é simples. Do jeito que está, é como se eles fossem almas penadas, que vivessem em outra dimensão.”
Sem dúvida, ao menos em São Paulo, as políticas públicas adotadas não parecem estar surtindo algum efeito. De acordo com pesquisa recente encomendada pela Secretaria Municipal de Assistência Social à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, a população de rua na capital paulista cresceu 57% nos últimos dez anos. Eram 8.706 morando na rua em 2000. Hoje, são 13.666, a maioria concentrada justamente na região central. Rampas e canteiros antimendigos não foram capazes de disfarçar nem diminuir o problema social. Quem sabe multando os que lhes dão dinheiro, roupas e comida? Ainda bem que sempre se pode contar com as ideias de Índio.
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