A novela Duas Caras divulga e incorpora, despudoradamente, o livro Não Somos Racistas, odiosa obra do manda-chuva do jornalismo da Globo, Ali Kamel. No mentiroso folhetim - no Brasil fictício da Globo -, brancos ricos estão doidos para se casar com favelados negros. Favelas têm mais brancos do que negros, e alguns negros são riquíssimos. Favelados pobres chegam a estudar nas mesmas universidades que brancos ricos.
Por Eduardo Guimarães, no Cidadania.com
A dramaturgia da Globo é como o Carnaval: provoca paixões e ódios com a mesma intensidade exacerbada. Mas as novelas e "minisséries" da emissora carioca, há que reconhecer, apaixonam pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo.
Essa receita de sucesso é baseada numa fórmula que transforma modelos em "atores" graças a uma edição e a um ritmo das cenas que minimizam a falta de intimidade da maioria amadora dos elencos globais com os palcos. Tudo isso, regado a orçamentos hollywoodianos, faz da dramaturgia global um dos produtos mais exportados pelo Brasil.
Durante décadas a fio, essa dramaturgia de êxito - e de mentira - moldou a mentalidade nacional. A Globo está acostumada a vender todo tipo de comportamento - modismos, conceitos e até pré-conceitos - com seus folhetins encenados.
Mesmo sabendo disso tudo, fiquei surpreso na noite da última terça-feira (11/03) ao ver uma personagem da novela Duas Caras, a mulata e ex-BBB Juliana Alves (Gislaine), lendo um livro que denuncia a estratégia da emissora naquela trama. A moça estava lendo Não Somos Racistas, de Ali Kamel.
Antes de você, leitor, criticar o fato de eu assistir a nada mais, nada menos do que a uma das estúpidas novelas que a tevê brasileira impõe a um público sequioso por lixo televisivo, e de dar seu depoimento de que jamais assistiria a tal porcaria, quero lembrá-lo de que ignorar uma arma de difusão de comportamentos e de mentalidades obtusas como é uma novela das oito da Globo não mudará o fato de que essa arma vem sendo muito efetiva no sentido de falsear a realidade nacional e imbecilizar as pessoas.
Enquanto se torce o nariz à mera possibilidade de levar a sério qualquer coisa que saia do Projac, a Globo vai fazendo a festa. Essa novela, por exemplo, a tal Duas Caras, vem fazendo um dos trabalhinhos mais sujos que já vi na vida. Às vezes fico me perguntando o que sente um favelado que vê uma novela na qual brancos ricos são habitués de favela chamada "Portelinha", a qual, à diferença de qualquer gueto como são as favelas, não abriga tráfico de drogas e adota padrões de organização comunitária quase nórdicos, com ruas limpas, casas bem cuidadas etc.
No Brasil fictício da Globo, brancos ricos estão doidos para se casar com favelados negros. Em Duas Caras, Barretinho (Dudu Azevedo) e Júlia (Débora Falabella), filhos do riquíssimo e ultra-racista advogado Barreto (Stênio Garcia), derretem-se, respectivamente, por Sabrina (Cris Vianna) e Evilásio Caó (Lázaro Ramos), e Claudius (Caco Ciocler) por Solange (Sheron Menezes).
No mentiroso folhetim da Globo, favelas têm mais brancos do que negros, e alguns negros são riquíssimos. Favelados pobres chegam a estudar nas mesmas universidades que brancos ricos. A mesma instituição abriga as negras da portelinha Gislaine e Solange, a perua Maria Eva (Letícia Spiller) e o negro mau-caráter Rudolf Stenzel (Diogo Almeida), que fala a favor de cotas para negros e sobre discriminação racial e, naturalmente, é cabalmente desmentido pela realidade dramatológica global.
A imagem - e a propaganda descarada - do livro de Ali Kamel tem um propósito. Negros e brancos de Duas Caras interagem de acordo com cada vírgula contida na odiosa obra do manda-chuva do jornalismo da Globo.
Na verdade, a sensação que tive foi a de uma pretendida afronta a quem se revolta com o cinismo de Não Somos Racistas. É como se a Globo dissesse: podem falar mal, mas nós temos a televisão que entra em 90% dos lares brasileiros a referendar nossa teoria sobre como amamos nossos irmãos negros.
Eles (a elite branca e sua mídia) dizem que não são racistas. E, como prova, disseminam pelo mundo um país em que não se vê miséria, em que não se vê os indicadores sociais dramáticos dos negros ante os indicadores muito melhores dos brancos, ou os salários inferiores dos negros ante os dos brancos, ou a maior mortalidade infantil dos negros ante a muito menor dos brancos.
Eles são racistas, sim, porque tentam frear a luta por oportunidades iguais para os negros no mercado de trabalho e nas universidades afirmando descaradamente que essas oportunidades existem. Além de racistas, são mentirosos.
Por Eduardo Guimarães, no Cidadania.com
A dramaturgia da Globo é como o Carnaval: provoca paixões e ódios com a mesma intensidade exacerbada. Mas as novelas e "minisséries" da emissora carioca, há que reconhecer, apaixonam pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo.
Essa receita de sucesso é baseada numa fórmula que transforma modelos em "atores" graças a uma edição e a um ritmo das cenas que minimizam a falta de intimidade da maioria amadora dos elencos globais com os palcos. Tudo isso, regado a orçamentos hollywoodianos, faz da dramaturgia global um dos produtos mais exportados pelo Brasil.
Durante décadas a fio, essa dramaturgia de êxito - e de mentira - moldou a mentalidade nacional. A Globo está acostumada a vender todo tipo de comportamento - modismos, conceitos e até pré-conceitos - com seus folhetins encenados.
Mesmo sabendo disso tudo, fiquei surpreso na noite da última terça-feira (11/03) ao ver uma personagem da novela Duas Caras, a mulata e ex-BBB Juliana Alves (Gislaine), lendo um livro que denuncia a estratégia da emissora naquela trama. A moça estava lendo Não Somos Racistas, de Ali Kamel.
Antes de você, leitor, criticar o fato de eu assistir a nada mais, nada menos do que a uma das estúpidas novelas que a tevê brasileira impõe a um público sequioso por lixo televisivo, e de dar seu depoimento de que jamais assistiria a tal porcaria, quero lembrá-lo de que ignorar uma arma de difusão de comportamentos e de mentalidades obtusas como é uma novela das oito da Globo não mudará o fato de que essa arma vem sendo muito efetiva no sentido de falsear a realidade nacional e imbecilizar as pessoas.
Enquanto se torce o nariz à mera possibilidade de levar a sério qualquer coisa que saia do Projac, a Globo vai fazendo a festa. Essa novela, por exemplo, a tal Duas Caras, vem fazendo um dos trabalhinhos mais sujos que já vi na vida. Às vezes fico me perguntando o que sente um favelado que vê uma novela na qual brancos ricos são habitués de favela chamada "Portelinha", a qual, à diferença de qualquer gueto como são as favelas, não abriga tráfico de drogas e adota padrões de organização comunitária quase nórdicos, com ruas limpas, casas bem cuidadas etc.
No Brasil fictício da Globo, brancos ricos estão doidos para se casar com favelados negros. Em Duas Caras, Barretinho (Dudu Azevedo) e Júlia (Débora Falabella), filhos do riquíssimo e ultra-racista advogado Barreto (Stênio Garcia), derretem-se, respectivamente, por Sabrina (Cris Vianna) e Evilásio Caó (Lázaro Ramos), e Claudius (Caco Ciocler) por Solange (Sheron Menezes).
No mentiroso folhetim da Globo, favelas têm mais brancos do que negros, e alguns negros são riquíssimos. Favelados pobres chegam a estudar nas mesmas universidades que brancos ricos. A mesma instituição abriga as negras da portelinha Gislaine e Solange, a perua Maria Eva (Letícia Spiller) e o negro mau-caráter Rudolf Stenzel (Diogo Almeida), que fala a favor de cotas para negros e sobre discriminação racial e, naturalmente, é cabalmente desmentido pela realidade dramatológica global.
A imagem - e a propaganda descarada - do livro de Ali Kamel tem um propósito. Negros e brancos de Duas Caras interagem de acordo com cada vírgula contida na odiosa obra do manda-chuva do jornalismo da Globo.
Na verdade, a sensação que tive foi a de uma pretendida afronta a quem se revolta com o cinismo de Não Somos Racistas. É como se a Globo dissesse: podem falar mal, mas nós temos a televisão que entra em 90% dos lares brasileiros a referendar nossa teoria sobre como amamos nossos irmãos negros.
Eles (a elite branca e sua mídia) dizem que não são racistas. E, como prova, disseminam pelo mundo um país em que não se vê miséria, em que não se vê os indicadores sociais dramáticos dos negros ante os indicadores muito melhores dos brancos, ou os salários inferiores dos negros ante os dos brancos, ou a maior mortalidade infantil dos negros ante a muito menor dos brancos.
Eles são racistas, sim, porque tentam frear a luta por oportunidades iguais para os negros no mercado de trabalho e nas universidades afirmando descaradamente que essas oportunidades existem. Além de racistas, são mentirosos.
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