01/02/2009

A VERSÃO DE Cesare Battisti

Boa a entrevista realizada pela Revista Istoé com Cesare Battisti, dando a oportunidade de, pela primeira vez,se saber a versão dos fatos do ponto de vista do acusado.

ISTOÉ - Como é ser o pivô de uma crise entre o Brasil e a Itália?
Cesare Battisti - Eu, sinceramente, não acredito que tudo isso esteja acontecendo.É enorme, é exagerado. Eu não sou essa pessoa tão importante. Sou um dos milhares de militantes italianos dos anos 1970. Sou um das centenas de militantes que se refugiaram no mundo inteiro, fugindo dos anos de chumbo da Itália. Por que tudo isso comigo?

ISTOÉ -O sr. teme que o Brasil volte atrás, por causa da reação forte da Itália?
Battisti - Não. A decisão do ministro Tarso Genro é bem fundamentada. Ele analisou todos os documentos. Não foi uma leitura superficial. E a perseguição política está provada nos documentos.Acho que o gesto do ministro Genro foi de coragem e de humanidade. A decisão é muito importante não só para mim, Cesare Battisti, mas para a humanidade. A Itália precisa reler a própria história. Nós estamos dando à nação italiana a possibilidade de reler sua história com serenidade, humanamente.

ISTOÉ - Junto com a reação italiana, reapareceu um antigo companheiro seu, Pietro Mutti, dizendo que o sr. participou da morte de um joalheiro e de um policial. O sr. matou estas pessoas?
Battisti - De jeito nenhum. Está muito longe da realidade. Na época desses assassinatos eu nem fazia mais parte dos PAC.

ISTOÉ - O sr. matou alguém?
Battisti - Eu nunca matei ninguém. Eu nunca fui um militante militar em nenhuma organização. Nem na Frente Ampla nem nos PAC, onde fiquei dois anos, entre 1976 e 1978. Saí dos PAC em maio de 1978, depois da morte de Aldo Moro (o ex-primeiro-ministro da Itália sequestrado e morto pelas Brigadas Vermelhas). Na época, milhares de militantes abandonaram os movimentos de luta armada. Foi um momento de debate muito importante na Itália.

ISTOÉ - O sr. repetiria que não matou ninguém na frente de Alberto, o filho do joalheiro Pierluigi Torregiani, que está na cadeira de rodas em consequência de um atentados dos PAC? Ele faz parte da campanha contra o sr. na Itália.
Battisti - É lamentável o que está fazendo o Alberto Torregiani. Ele sabe que eu não tenho nada a ver com isso. Porque eu já troquei muitas cartas com ele. Uma correspondência de amizade, de sinceridade e de respeito. Mas o Alberto Torregiani sofre pressão por parte do governo italiano porque ele, depois de tantos anos de luta, coitado, conseguiu uma aposentadoria como vítima do terrorismo. Desde 2004, tem uma pensão como vítima dos anos de chumbo na Itália. Eles estão fazendo pressão, já que podem tirar a pensão dele.

ISTOÉ - Por que o sr. entrou em contato com Alberto Torregiani?
Battisti - Sempre me sensibilizei com a situação do Alberto. Ele era um adolescente na época do atentado. Ao reagir ao ataque, o pai acabou acertando o filho, que ficou paraplégico.

ISTOÉ - E o Pietro Mutti, como o sr. entende a manifestação dele, depois de anos de silêncio?
Battisti - Ele repetiu, palavra por palavra, o que falou para o procurador Armando Spataro, em 1981. E, como outros "arrependidos", ele havia falado sob tortura. Agora, não posso afirmar que ele não foi ressuscitado pela máquina do governo italiano. Mas, mesmo se ele tiver reaparecido de verdade, ele não poderia fazer outra coisa senão repetir exatamente o que exige o procurador conhecido por ter chefiado o esquema de tortura na região de Milão. Naquela época, a tortura fazia parte do cotidiano da Itália. A Itália tem de reconhecer isso. Mas não pode. Porque a Itália é Europa. E a Itália não pode admitir que nos anos 1970 viveu uma guerra civil.

ISTOÉ - Mas era uma democracia. Não era uma ditadura.
Battisti - Havia uma democracia na qual a máfia estava no poder. Nós temos um primeiro-ministro que ficou décadas no poder e foi condenado por ser mafioso. Estou falando de Giulio Andreotti (líder do Partido Democrata-Cristão italiano, primeiro-ministro nos períodos de 1972-1973, 1976-1979 e 1989-1992). Havia também os fascistas, que nunca foram afastados do poder. E hoje, infelizmente, voltaram.

ISTOÉ - Na semana passada, uma mulher identificada como sua ex-namorada Maria Cecília B. disse na mídia italiana que o sr. confessou a ela o assassinato de um agente penitenciário.
Battisti - Maria Cecília Barbeta, que nunca foi minha namorada, foi uma colaboradora da Justiça. Era o que chamavam de colaboradora secundária, que confirmava detalhes para sustentar uma acusação.

ISTOÉ - E ela pertencia aos PAC?
Battisti - Eu nunca tive conhecimento disso. Acho que não. Era da Frente Ampla, na região de Veneza. Devem ter pedido a ela que confirmasse um detalhe. Aí, ela disse que numa noite eu confessei ser o assassino do agente penitenciário.

ISTOÉ - Quantos integrantes tinham os PAC?
Battisti - Na época em que fiquei nos PAC, entre 1976 e 1978, eu não conhecia todo o grupo, em nível nacional. Mas acho que tinha pelo menos umas 200 pessoas ativas, mas os PAC existiram até 1979. Tinha também grupos de apoio.

ISTOÉ - Qual era o seu papel nos PAC?
Battisti - Os PAC tinham um jornal, Senza galera. Significava "sem cadeias". Cadeias no sentido mais amplo, de Michel Foucault, a favela, o gueto. Eu entrei para colaborar com este jornal. Mas comecei a fazer política ilegal muito jovem, com 15, 16 anos. Participei de todas as lutas. Na época tinha luta para o divórcio, o aborto, para a redução das tarifas de eletricidade. Tinha também a luta pela legalização da maconha. Era uma época especial. E comecei a me interessar por política dentro de casa.

A entrevista completa pode ser vista no site:

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