08/09/2009

PRA RELEMBRAR O "CLICK" DO VERÍSSIMO

 Luis Fernando Verissimo




Cidadão se descuidou e roubaram seu celular. Como era um executivo e não sabia mais viver sem celular, ficou furioso. Deu parte do roubo, depois teve uma idéia. Ligou para o número do telefone. Atendeu uma mulher.



— Aloa.



— Quem fala?



— Com quem quer falar?



— O dono desse telefone.



— Ele não pode atender.



— Quer chamá-lo, por favor?



— Ele esta no banheiro. Eu posso anotar o recado?



— Bate na porta e chama esse vagabundo agora.



Clic. A mulher desligou. O cidadão controlou-se. Ligou de novo.



— Aloa.



— Escute. Desculpe o jeito que eu falei antes. Eu preciso falar com ele, viu? É urgente.



— Ele já vai sair do banheiro.



— Você é a...



— Uma amiga.



— Como é seu nome?



— Quem quer saber?



O cidadão inventou um nome.



— Taborda. (Por que Taborda, meu Deus?) Sou primo dele.



— Primo do Amleto?



Amleto. O safado já tinha um nome.



— É. De Quaraí.



— Eu não sabia que o Amleto tinha um primo de Quaraí.



— Pois é.



— Carol.



— Hein?



— Meu nome. É Carol.



— Ah. Vocês são...



— Não, não. Nos conhecemos há pouco.



— Escute Carol. Eu trouxe uma encomenda para o Amleto. De Quaraí. Uma pessegada, mas não me lembro do endereço.



— Eu também não sei o endereço dele.



— Mas vocês...



— Nós estamos num motel. Este telefone é celular.



— Ah.



— Vem cá. Como você sabia o número do telefone dele? Ele recém-comprou.



— Ele disse que comprou?



— Por que?



O cidadão não se conteve.



— Porque ele não comprou, não. Ele roubou. Está entendendo? Roubou. De mim!



— Não acredito.



— Ah, não acredita? Então pergunta pra ele. Bate na porta do banheiro e pergunta.



— O Amleto não roubaria um telefone do próprio primo.



E Carol desligou de novo.



O cidadão deixou passar um tempo, enquanto se recuperava. Depois ligou.



— Aloa.



— Carol, é o Tobias.



— Quem?



— O Taborda. Por favor, chame o Amleto.



— Ele continua no banheiro.



— Em que motel vocês estão?



— Por que?



— Carol, você parece ser uma boa moça. Eu sei que você gosta do Amleto...



— Recém nos conhecemos.



— Mas você simpatizou. Estou certo? Você não quer acreditar que ele seja um ladrão. Mas ele é, Carol. Enfrente a realidade. O Amleto pode Ter muitas qualidades, sei lá. Há quanto tempo vocês saem juntos?



— Esta é a primeira vez.



— Vocês nunca tinham se visto antes?



— Já, já. Mas, assim, só conversa.



— E você nem sabe o endereço dele, Carol. Na verdade você não sabe nada sobre ele. Não sabia que ele é de Quaraí.



— Pensei que fosse goiano.



— Ai esta, Carol. Isso diz tudo. Um cara que se faz passar por goiano...



— Não, não. Eu é que pensei.



— Carol, ele ainda está no banheiro?



— Está.



— Então sai daí, Carol. Pegue as suas coisas e saia. Esse negocio pode acabar mal. Você pode ser envolvida. — Saia daí enquanto é tempo, Carol!



— Mas...



— Eu sei. Você não precisa dizer. Eu sei. Você não quer acabar a amizade. Vocês se dão bem, ele é muito legal. Mas ele é um ladrão, Carol. Um bandido. Quem rouba celular é capaz de tudo. Sua vida corre perigo.



— Ele esta saindo do banheiro.



— Corra, Carol! Leve o telefone e corra! Daqui a pouco eu ligo para saber onde você está.



Clic.



Dez minutos depois, o cidadão liga de novo.



— Aloa.



— Carol, onde você está?



— O Amleto está aqui do meu lado e pediu para lhe dizer uma coisa.



— Carol, eu...



— Nós conversamos e ele quer pedir desculpas a você. Diz que vai devolver o telefone, que foi só brincadeira. Jurou que não vai fazer mais isso.



O cidadão engoliu a raiva. Depois de alguns segundos falou:



— Como ele vai devolver o telefone?



— Domingo, no almoço da tia Eloá. Diz que encontra você lá.



— Carol, não...



Mas Carol já tinha desligado.



O cidadão precisou de mais cinco minutos para se recompor. Depois ligou outra vez.



—Aloa.



Pelo ruído o cidadão deduziu que ela estava dentro de um carro em movimento.



— Carol, é o Torquatro.



— Quem?



— Não interessa! Escute aqui. Você está sendo cúmplice de um crime. Esse telefone que você tem na mão, esta me entendendo? Esse telefone que agora tem suas impressões digitais. É meu! Esse salafrário roubou meu celular!



— Mas ele disse que vai devolver na...



— Não existe Tia Eloá nenhuma! Eu não sou primo dele. Nem conheço esse cafajeste. Ele esta mentindo para você, Carol.



— Então você também mentiu!



— Carol...



Clic.



Cinco minutos depois, quando o cidadão se ergueu do chão, onde estivera mordendo o carpete, e ligou de novo, ouviu um "Alô" de homem.



— Amleto?



— Primo! Muito bem. Você conseguiu, viu? A Carol acaba de descer do carro.



— Olha aqui, seu...



— Você já tinha liquidado com o nosso programa no motel, o maior clima e você estragou, e agora acabou com tudo. Ela está desiludida com todos os homens, para sempre. Mandou parar o carro e desceu. Em plena Cavalhada. Parabéns primo. Você venceu. Quer saber como ela era?



— Só quero meu telefone.



— Morena clara. Olhos verdes. Não resistiu ao meu celular. Se não fosse o celular, ela não teria topado o programa. E se não fosse o celular, nós ainda estaríamos no motel. Como é que chama isso mesmo? Ironia do destino?



— Quero meu celular de volta!



— Certo, certo. Seu celular. Você tem que fechar negócios, impressionar clientes, enganar trouxas. Só o que eu queria era a Carol...



— Ladrão



— Executivo



— Devolve meu...



Clic.



Cinco minutos mais tarde. Cidadão liga de novo. Telefone toca várias vezes. Atende uma voz diferente.



— Ahn?



— Quem fala?



— É o Trola.



— Como você conseguiu esse telefone?



— Sei lá. Alguém jogou pela janela de um carro. Quase me acertou.



— Onde você está?



— Como eu estou? Bem, bem. Catando meus papéis, sabe como é. Mas eu já fui de circo. É. Capitão Trovar. Andei até pelo Paraguai.



— Não quero saber de sua vida. Estou pagando uma recompensa por este telefone. Me diga onde você está que eu vou buscar.



— Bem. Fora a Dalvinha, tudo bem. Sabe como é mulher. Quando nos vê por baixo, aproveita. Ontem mesmo...



— Onde você está? Eu quero saber onde!



— Aqui mesmo, embaixo do viaduto. De noitinha. Ela chegou com o índio e o Marvão, os três com a cara cheia, e...



Extraído do livro "As Mentiras que os Homens Contam", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2000, pág. 41.



A vida e a obra de Luis Fernando Verissimo estão em "Biografias

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